O QUE REVELA O JULGAMENTO DE JAIR BOLSONARO

Foto: Chandan Khanna

Ontem, terça-feira (27/6), o ministro do TSE Benedito Gonçalves votou pela inelegibilidade de Jair Messias Bolsonaro pelo período de oito anos. O tribunal julga uma ação impetrada pelo PDT, partido de Ciro Gomes, em que o ex-presidente é acusado de abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação. Mas não dê tanta importância à alegação, ela é o que menos importa neste caso, um olhar atravessado para uma fiscal de urna ou um grito de ‘independência ou morte’ no ato do voto teriam o mesmo efeito. A estrela aqui é o objetivo.

A sustentação de Gonçalves, sobre quem trataremos em detalhes mais à frente, foi um elemento novo na tabela periódica da ordem jurídica. Imagine alguém tentando lhe convencer a tirar férias na Ucrânia, fazendo a travessia oceânica no submarino do Titanic, o translado terrestre no Uber de Elize Matsunaga e se hospedando no quartel-general do Regimento Azov. Para costurar tudo, bem apertadinho, um boleto de desconto da Blaze promovido e chancelado por Felipe Neto. Vendido!, gritou o consórcio. Imaginou? Agora abra os olhos e leia até o fim. Você em breve perceberá que a ideia da viagem não é tão má quanto parece.

“A banalização do golpismo, meramente simbolizada pela minuta que propunha intervir no TSE e dormitava sem causar desassossego na residência do ex-ministro da Justiça, é um desdobramento grave de ataques infundados ao sistema eleitoral de votação”, disse o ministro, relator do processo. A minuta em questão é um pedaço de papel encontrado largado na residência do ex-ministro da justiça Anderson Torres, e que nunca sequer chegou às mãos de Bolsonaro. Seu conteúdo se limita a um rascunho mal engendrado de uma decretação de estado de defesa. Mas no novo direito de Benedito Gonçalves, serve como prova de tentativa de golpe.

Sobre o sistema eleitoral, a própria premissa de ataque infundado já invalida a narrativa do ministro. Se o sistema não pode ser questionado, sob pena do questionamento ser livremente interpretado como ataque, como validar um fundamento? Se toda argumentação é tratada como ameaça à democracia, como fundamentar um contraponto? Gonçalves impõe um cenário em que o questionamento é criminoso, o que viola mortalmente o direito constitucional à liberdade de expressão. Argumento não é ataque, assim como opinião não é informação.

Continuando. Em seguida o ministro afirma que “O primeiro investigado [Bolsonaro] violou ostensivamente os deveres de presidente da República, inscritos no artigo 85 da Constituição, em especial zelar pelo exercício livre dos poderes instituídos e dos direitos políticos e pela segurança interna, tendo em vista que assumiu injustificada antagonização direta com o TSE, buscando vitimizar-se e desacreditar a competência do corpo técnico e a lisura dos seus ministros para levar à atuação do TSE ao absoluto descrédito internacional”. Segue o artigo em questão:

Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:

I – a existência da União;
II – o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação;
III – o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;
IV – a segurança interna do País;
V – a probidade na administração;
VI – a lei orçamentária;
VII – o cumprimento das leis e das decisões judiciais.

Em janeiro de 2021, o então ministro do TSE e hoje advogado de defesa de Jair Bolsonaro Tarcísio Vieira de Carvalho Neto julgou causa semelhante. Ele escreveu:

“A representação não comporta conhecimento.

Isso porque o Tribunal Superior Eleitoral não detém competência para apurar suposto
crime de responsabilidade atribuído ao presidente da República.

Com efeito, a Constituição Federal, em seu artigo 85, e a Lei n. 1.079/50, em seu art. 14,
definem de forma exauriente e taxativa o exercício da competência na eventual apuração de crimes de responsabilidade do chefe do Poder Executivo, não dotando de atribuição jurisdicional este Tribunal Superior.

Ante o exposto, nego seguimento à presente representação (art. 36, § 6 , do RITSE).

Publique-se. Arquive-se.”

Temos até aqui uma acusação baseada em um rascunho de papel sem ligação com Bolsonaro, uma alegação que não aceita contraponto e um crime de responsabilidade que não existe, tudo julgado por um órgão sem competência constitucional para fazê-lo. Mas calma, tem mais.

BENEDITO GONÇALVES

O ministro Benedito Gonçalves foi nomeado por Luís Inácio Lula da Silva, então em seu segundo mandato presidencial, para o STJ (Superior Tribunal de Justiça) em setembro de 2008. Em novembro de 2019 Gonçalves tomou posse como membro substituto do TSE, ocupanduo uma das vagas destinadas aos ministros provenientes do STJ, sendo efetivado como ministro permanente da corte eleitoral em novembro de 2021.

Naquilo que deveria ser a regra, Gonçalves nunca fora figura de destaque além dos limites da bolha judiciária. Ganhou certa notoriedade em agosto de 2020 ao afastar Wilson Witzel do governo do estado do Rio de Janeiro; passada a turbulência, retornou ao anonimato. Mas no mundo das indicações políticas, cedo ou tarde, a conta chega – e com ela, vêm os holofotes.

Em questão de semanas o outrora discreto magistrado foi alçado à função de engrenagem polida do sistema. O homem certo, na hora e na posição certas. Empoderado por Alexandre de Moraes durante o período eleitoral de 2022, o magistrado, dentre outras coisas, proibiu o então candidato à reeleição Jair Bolsonaro de usar discursos realizados por ele na embaixada brasileira em Londres e na ONU, assim como imagens da manifestação de 7 de setembro, em sua campanha eleitoral. Também o proibiu de transmitir lives de dentro do Palácio da Alvorada, abriu investigação contra a Jovem Pan por supostamente favorecer o ex-presidente em detrimento de Lula e suspendeu a monetização de 40 perfis bolsonaristas, dentre eles os canais do YouTube Brasil Paralelo, Folha do Brasil e Folha Política. Vários desses pedidos partiram da campanha de Lula, a mesma pessoa que conduziu Gonçalves aos tribunais superiores.

Por fim, Benedito Gonçalves foi flagrado pelas câmeras levando afetuosos tapinhas de Lula no rosto, e captado pelo microfone do TSE proferindo a frase “missão dada é missão cumprida”, enquanto aguardava a palavra do presidente eleito à mesa da corte.

O JULGAMENTO

É muito improvável que Jair Bolsonaro não seja tornado inelegível ao fim do julgamento, a única possibilidade de isso não acontecer seria um pedido de vistas por parte de algum dos seis ministros restantes, o que atrasaria o resultado, mas não o impediria. Além disso, destes seis, nada menos que quatro deles também foram indicados pelo atual presidente da república. Sobram Nunes Marques e… Alexandre de Moraes.

O detalhe mais grave, porém, não tem nada a ver com o julgamento dos direitos políticos de Bolsonaro. Gonçalves pretende encaminhar o caso para a instância criminal.

CONCLUSÃO

O Brasil se encontra aprisionado em um ciclo vicioso dificílimo de ser quebrado. A defesa da democracia é usada como justificativa para censura, ilegalidades e perseguições. A mídia ratifica, faz eco e dissemina. A esquerda joga purpurina e classifica quebras de direitos fundamentais como salvaguarda das instituições e do estado democrático de direito. No meio da arena, cercado por todos os lados, sem armas, sem voz, sem ter a quem recorrer, você.

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